quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

DESEJO: FALTA, MOVIMENTO DE BUSCA, ENCONTRO DAS CAUSAS, AFETO

Desejo por Heloísa dos Santos Oliveira

Etimologia: do latim desidiu. Desejo primeira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo desejar. De.se.jo masculino – aquilo que se deseja, apetite, cobiça,anseio, propósito, intuito.

Segundo Marilena Chauí "A palavra desejo tem bela origem. Deriva-se do verbo desidero que, por sua vez, deriva-se do substantivo sidus (mais usado no plural, sidera), significando a figura formada por um conjunto de estrelas, isto é constelações. Porque se diz dos astros, sidera é empregado como palavra de louvor—o alto—e, na teologia astral ou astrologia, é usado para indicar a influéncia dos astros sobre o destino humano, donde sideratus, siderado: atingindo ou fulminado por um astro. De sidera, vem considerare—examinar com cuidado, respeito e veneração—e desiderare—cessar de olhar (os astros), deixar de ver (os astros)...Nosso destino está inscrito e escrito nas estrelas e considerare é consultar o alto para nele encontrar o sentido e guia seguro de nossas vidas. Desiderare, ao contrário, é estar despojado desta referência, abandonar o alto ou por ele ser abandonado. Cessando de olhar para os astros, desiderium é a decisão de tomar nosso destino em nossas próprias mãos, aquilo que os gregos chamavam bóulesis. Deixando de ver os astros, porém, desiderium significa uma perda, privação do saber sobre o destino, queda na roda da fortuna incerta. O desejo chama-se, então, carência, vazio que tende para fora de si em busca de preenchimento." (Do Texto Laços do Desejo)

Em filosofia, o desejo é uma tensão em direção a um fim considerado pela pessoa que deseja como uma fonte de satisfação. É uma tendência algumas vezes consciente, outras vezes inconsciente ou reprimida. Quando consciente, o desejo é uma atitude mental que acompanha a representação do fim esperado, o qual é o conteúdo mental relativo à mesma. Enquanto elemento apetitivo, o desejo se distingue da necessidade fisiológica ou psicológica que o acompanha por ser o elemento afetivo do respectivo estado fisiológico ou psicológico.
Tradicionalmente, o desejo pressupõe carência, indigência. Um ser que não caressesse de nada não desejaria nada, seria um ser perfeito, um deus. Por isso Platão e os filósofos cristãos tomam o desejo como uma característica de seres finitos e imperfeitos.

Para Freud, o desejo é o que põe em movimento o aparelho psíquico e o orienta segundo a percepção do agradável e do desagradável. O desejo nasce da zona erógena do corpo, e sem se reduzir ao corpo (soma) somente pode se satisfazer apenas parcialmente. Como já foi dito, ele realiza-se no movimento de querer-mais-e-mais. Como formula Lacan, "O desejo é sempre o desejo de um outro desejo”. O desejo humano é algo sempre adiado, é intervalar. O desejo vive de sua insatisfação, resguardada esta estranha função: a função de insatisfação” (MASOTTA).
Lacan ainda diz que “Uma noção desta índole é o que chamamos de desejo; a reaparição da percepção é a realização do desejo, e o caminho mais curto para este é o que leva desde a excitação produzida pela necessidade até o investimento pleno da percepção.

Desejo fazem aparecer outro registro da falta - "a falta-a-ser". Acontece que, a satisfação do desejo é sempre adiada e nunca atingida, portanto, no fundo, o desejo busca o impossível. Os seres humanos por serem desejantes, seres de linguagem são condenados a sentir, primeiro mal-estar e angústia, depois por serem impulsionados para algo que se supõe trazer a felicidade, um estado de completude de não falta. Para Freud “O desejo, no fundo, sempre procura realizar a nostalgia do objeto perdido, que habita no inconsciente, isto é, no lugar do "não-sabido".

Nas histórias em quadrinhos, Desejo é um dos sete perpétuos, personagens da revista Sandman, criado por Neil Gaiman. É irmão gêmeo (mas nada idêntico) de Desespero. Desejo é o mais lascivo e supérfluo dos perpétuos, sempre centrado na auto-satisfação. Seu símbolo na galeria dos outros Perpétuos é um coração de vidro.
Desejo não tem sexo definido, as vezes personificando uma mulher e outras um homem, mas sempre de uma beleza extrema e irreprodutível. Ele exala um odor sutil de pêssegos e sempre projeta duas sombras. Sua pele é pálida - característica comum a todos os perpétuos. Ele está sempre sorrindo cinicamente e fuma muito.
Desejo é o Perpétuo mais cruel e é obcecado em interferir nos assuntos de seus parentes mais velhos, principalmente Sonho.
O reino de Desejo, chamado Limiar é uma estátua colossal com as feições do corpo que estiver usando naquele momento. Este corpo é como uma cidade, e Desejo habita seu coração.

Referências Bibliograficas
Mello, Denise Maurano, Na do Desejo:O Percurso da ética de Freud a Lacan
Gregotti, Vittorio – Território da Arquitetura, São Paulo – Perspectiva, 1975.
Texto – Mito de Sócrates
Deleuzes. Désir et plaisir. Magazine Littéraire. Paris, n. 325, oct, 1994, pp. 57-65. Desejo e Prazer
Richard Moran, "Replies to Heal, Reginster, Wilson, and Lear", p. 472 (em Philosophy and Phenomenological Research, volume LXIX, número 2, setembro de 2004, páginas 455-472).
http://corpoetico.blogspot.com/2008/08/origem-da-palavra-desejo.html




EXCERTOS SOBRE DESEJO EM GREGOTTI
GREGOTTI, Vitório. Território da Arquitetura. Ed. Perspectiva.

Se considerar a arquitetura uma reflexão sobre a prática, tal como Sophia Telles, remetendo a Kant, possivelmente. A “Crítica da Razão Prática” tem como objeto a liberdade, diz respeito a faculdade de desejar. Neste conceito de arquitetura há uma relação entre liberdade e desejo. Entende-se desejo como sentimento que não comporta uma falta, mas é encontro das causas. Mire no entendimento sobre o desejo no conceito de projeto de Vittorio Gregotti:
projeto é o modo através do qual intentamos transformar em ato a satisfação de um desejo nosso (...) Existe porém, implícito na palavra projeto um sentido de distância entre desejo e a sua satisfação, o sentido de um tempo preenchido pelo esforço em organizar uma série de fenômenos voltados para uma finalidade, num momento determinado do processo histórico. Tal objetivo deve realizar-se como ponto concreto que vem a ser presença e significado, para passar logo a ser matéria a resignificar e satisfazer um desejo ulterior”.

NA CONTRAMÃO DA NOÇÃO DE DESEJO COMO FALTA:
“o mais profundo é a pele” (Gilles Deleuze. Lógica do Sentido)
Deleuze produz conceitos que rompem com as modalidades dominantes de pensar e representar a subjetividade, propondo novos perceptos (novas maneiras de ver e escutar) e novos afetos (novas maneiras de sentir). Conceitos como hecceidade, devir, território, rizoma, dobra, linhas de fuga servem para combater a prioridade do verbo ser. (Extrato de texto de Alex Fabiano Jardim)
Continuando, a essência de um corpo é definida como uma potência, uma tensão. A potência quer agir nas fronteiras, ultrapassar seus limites; por isso os estóicos inventam uma ética com base nessas potências singulares da vida e do pensamento. Ético é permitir a potência ocorrer, a seguir o encontro ocorrer, e finalmente aparecer o sentido do encontro. Nesse encontro os corpos se penetram mutuamente, e se misturam. Os corpos são compostos de qualidades e matérias ativas, ou seja, potência de afetar os outros e ser afetado, de receber ação de outros corpos. O afeto é o encontro, afetar e ser afetado. As qualidades e potências dependem da relação, do encontro. Isto funda a ética do que cada corpo pode.
Desejo é o encontro das causas, é aliança de qualidades ativas afluentes. Só há desejo quando há agenciamento de potências ativas. Quando um corpo efetua sua potência a liberdade se potencializa. (Extrato de texto de Raquel Correa).
O corpo circula em um território que é físico e cultural por definição. Gilles Deleuze diz que o desejo não comporta qualquer falta, não é um dado natural. Está constantemente articulado a um agenciamento que funciona. O desejo é processo em vez de ser estrutura ou gênese. Em vez de ser sentimento, o desejo é, contrariamente, afeto. O desejo não se refere a subjetividade, mas a “hecceidade” (individualidade de uma jornada, de uma estação, de uma vida). Em vez de ser coisa ou pessoa, o desejo é acontecimento. O desejo implica, sobretudo constituição de um campo de imanência ou de um “corpo sem órgãos” (Body Without Organs-BWO), definido somente por zonas de intensidade, de limiares, de gradientes, de fluxos. Esse corpo é tanto biológico quanto coletivo e político. Os agenciamentos se fazem e se desfazem sobre esse corpo, portador das pontas de desterritorialização, dos agenciamentos ou linhas de fuga.
(Deleuze em Desejo e Prazer).

« De que recursos dispõe uma pessoa ou um coletivo para afirmar um modo próprio de ocupar o espaço doméstico, de cadenciar o tempo comunitário, de mobilizar a memória coletiva, de produzir bens e conhecimento e fazê-los circular, de transitar por esferas consideradas invisíveis, de reinventar a corporeidade, de gerir a vizinhança e a solidariedade, de cuidar da infância ou da velhice, de lidar com o prazer ou a dor?. »« Mais radicalmente, impõe-se a pergunta: que possibilidades restam de criar laço, de tecer um território existencial e subjetivo na contramão da serialização e das reterritorializações propostas a cada minuto pela economia material e imaterial atual? In Peter Pal Pelbart » texto Biopotência no coração do Império. Site Multitudes.

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