quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

ORNAMENTO

ORNAMENTO: MABELLY BRIOSCHI COELHO

Do Latin ornamentu, compreende motivos compostos de linhas ou manchas coloridas, formas de estruturas simples ou complicada, figuras regulares, variedade de tratamento do material ou de cores aplicadas, conjugação de materiais de diversas texturas e cores em áreas e volumes. Em suma, não se limita ao objeto em si, mas envolve todos os adornos, aplicações e texturas em objetos. É um complemento de beleza que atrai demasiada atenção sobre si mesmo.

De acordo com Robert Venturi, em Aprendendo com Las Vegas, o ornamento pode ser algo pensado como separado e colocado na estrutura visando iconográfica e metaforicamente comunicar algo, ou trabalhar em conjunto com a estrutura, ser inerente a ela, e levar, no final, à desmaterialização da forma. Pode ainda ser o próprio material, conduzindo a uma reavaliação de como a arquitetura é feita, abrindo novas possibilidades, e também, expressando complexidade e contradição.
Entretanto, seu conceito se estende muito além de elementos meramente decorativos ao relacionar-se à arquitetura. É um sistema de símbolos que veste a arquitetura e a configura. Pode fazer referência direta ao passado, representando diferentes períodos históricos, outras culturas ou civilizações, marcando visualmente os diferentes estilos arquitetônicos através de sua composição - como os ornamentos góticos ou barrocos. É responsável pelo simbolismo do edifício, exprimindo diversas sensações, respostas emocionais e até mesmo aguçando a curiosidade. É muito mais que simples expressão, envolvendo infinidades de pontos de vista e implicando no modo de ver das pessoas.

“Por vezes o ornamento significa fantasmagoria, como em Walter Benjamin, num outro momento significa sopro, vitalidade, revolução como em John Ruskin; mas também submissão, em Adolf Loos; golpe cenográfico, em Henri Van de Velde; e camuflagem, em Le Corbusier.”

O ORNAMENTO SOB O OLHAR DE ALGUNS ARQUITETOS
Para John Ruskin, os ornamentos não eram apenas excedentes de beleza mais ou menos adequados às finalidades práticas ou simbólicas da arquitetura, mas os elementos definidores da arquitetura como arte. Segundo ele, a qualidade da ornamentação permitia distinguir entre a mera construção, limitada a atender às necessidades práticas do homem, e a arte da arquitetura.
“Devemos compreender de uma vez por todas que a mudança e a variedade são tão necessárias ao coração e ao cérebro nos prédios quanto nos livros; que não há nenhum mérito, senão alguma utilidade ocasional, na monotonia; e que não devemos esperar obter prazer ou recompensa na arquitetura cujos ornamentos são de um único padrão, cujos pilares têm uma única proporção, assim como não gostaríamos de viver num mundo em que as nuvens tivessem sempre a mesma forma e todas as árvores, a mesma altura.” (John Ruskin)
Para Louis Sullivan, os verdadeiros ornamentos não eram acessórios, mas elementos que contribuíam positivamente para a transformação da arquitetura em arte. Criticou os ornamentos do seu tempo visando a relação entre as suas formas e o conjunto da construção.
“Seria ótimo para o nosso bem estar estético se parássemos completamente de usar ornamentos durante um período de anos, de modo que o nosso pensamento pudesse se concentrar intensamente na produção de prédios harmoniosos e agradavelmente nus. Seriamos obrigados a evitar muitas coisas indesejáveis, e a aprender, por contraste, como é produtivo pensar de modo completo, vigoroso e natural.” (Louis Sullivan)
Segundo Frank Lloyd Wright, mesmo o mais belo ornamento jamais deveria ser meramente aplicado a arquitetura; todos os ornamentos arquitetônicos deveriam ser derivados da ideia central do projeto e contribuir para a unidade expressiva do conjunto.
Ele distinguiu entre ornamentação orgânica e decoração, reservando a positividade à primeira e a negatividade à ultima, sendo esta responsável por perturbar a harmonia e a expressividade da ornamentação orgânica através da inclusão de detalhes que não haviam sido previstos.
“Todas as novidades que são enumeradas e valorizadas pelos críticos de hoje como ''modernistas'' correspondem apenas a iniciativas arquitetônicas realizadas por decoradores, ao esforço para ver a decoração triunfar sobre a arquitetura. Nos prédios modernistas podemos identificar algum sentido nos espaços limpos, proporcionais e livremente dispostos. E, sobre eles, ou dentro deles, uma surpreendente massa de decoração esfuziante para obter os contrastes que são ''decorativos'', relacionados ou não à arquitetura. Isso é relativamente fácil. Tem seu charme. Mas não é arquitetura.” (Frank Lloyd Wright)
Para Adolf Loos ,a expulsão dos ornamentos no estilo moderno tinha como função principal a integração dos homens modernos ao seu próprio tempo. Sua ausência era um signo de emancipação e autonomia.
“Saí vitorioso de um combate de trinta anos: livrei a humanidade do ornamento supérfluo. Houve um tempo em que ornamento era sinonimo de belo; hoje, graças a obra da minha vida, essa palavra é sinonimo de 'medíocre'.” (Adolf Loos)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
PAIM, Gilberto. A beleza sob Suspeita. O ornamento em Ruskin, Lloyd Wright, Loos, Le Corbusier e outros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000.
VENTURI, Robert; BROWN, Denise Scott; IZENOUR, Steven; tradução Pedro Maia Soares. Aprendendo com Las Vegas. São Paulo, Cosac e Naify, 2003.
DEL NEGRO, Carlos. Do Ornamento. Rio de Janeiro, 1961.
MOREIRA, Fernando Diniz. As caixas decoradas: ornamento e representação em Ventuti e Scott Brown e Herzog e De Meuron. Janeiro de 2005. www.vitruvius.com.br
CANÇADO, Wellington. Lá vem o pato patropí... Maio de 2002. www.vitruvius.com.br
SULLIVAN, Louis; tradução Roberto Grey. O ornamento na arquitetura. 1892. www.agitprop.vitruvius.com.br
PAIM, Gilberto. O ornamento no centro de um debate moderno (II). Abril de 2008. www.agitprop.vitruvius.com.br
ROCHA, Bruno Massara. Arquitetura Art Nouveau. www.territorios.org
http://www.instituto-camoes.pt/
http://www.priberam.pt/
ORNAMENTO: Nei parrini Junior

Menos é mais (Mies Van der Rohe)
O conceito mais recorrente de ornamento, palavra originada do latim ornamentum define-o como um elemento ou enfeite com função essencial e frequentemente única de decoração. Também é chamado de adorno, adereço e, mais raramente, paramento, quando se limita a ser enfeite num elemento.
A questão que se discute em ornamentação é, principalmente, a importância de seu lugar na arquitetura, pois numa avaliação quer seja a priori ou empírica (conforme arquitetos do início do séc. XX se esforçaram para comprovar no raumplan) a retirada do ornato não elimina a razão de ser do edifício, que é sua utilidade.
O problema, portanto, estaria ligado ao desperdício de tempo do arquiteto/artista/artesão e de dinheiro, porque o ornamento representa um gasto que é desnecessário do ponto de vista funcional. A preocupação com a questão do ornamento não é apenas estética – é social. O adorno seria um desserviço, pois parte do o investimento é empregado no rebuscamento, quando deveria ser totalmente utilizado para garantir a qualidade dos materiais empregados, além de conferir à edificação em questão uma “vida útil”, pois uma vez que a moda dos ornamentos ao qual foi submetida terminasse o edifício ficaria esteticamente obsoleto, sendo visto como ultrapassado, enquanto que sua vida útil deveria encerrar somente quando não pudesse de fato exercer suas funções. Economia e utilidade deveriam estar em primeiro lugar na arquitetura. Mas devemos considerar, entretanto, que a tecnologia atual permite obter materiais de boa e até excelente qualidade a preços baixos e acessíveis, além do fato de que o trabalho artesanal é valorizado e bem pago - desde que bem executado.
O arquiteto Adolf Loos teve uma carreira com posição ferrenhamente contrária aos ornatos, levando suas teorias para o mundo prático na arquitetura raumplan, onde a hierarquização dos cômodos é dada por diferentes níveis e empregos de materiais. Cabe mencionar, entretanto, que o tema “ornamentação” e, mais precisamente, sua relação com/na arquitetura, já era fartamente abordado no início de século XX através da arquitetura racionalista norte americana, a qual deve muito a Louis Sullivan na sua obra ornament in architecture. Não é à toa que essa arquitetura mais racionalista, que queria ser emancipada dos adereços, tenha se manifestado nos Estados Unidos. A liberdade de criação e de produção, aliado a uma cultura não tão presa ao passado como era recorrente na Europa, certamente encorajou os arquitetos desse movimento.
Pevsner faz uma abordagem interessante a respeito do tema: “Quanto mais baixo é o nível do povo mais exuberante é a ornamentação. A aspiração da humanidade é, pelo contrário, descobrir a beleza nas formas, em vez de fazer depender da ornamentação.”.
Segundo Mehaffy e Salingaros, na obra Fundamentalismo Geométrico, "esta guerra contra o ornamento e a decoração esconde uma lacuna ideológica no modernismo: a falta de uma base cultural (...) O modernismo procurou deliberadamente destruir todos os vínculos e reminiscências da arquitetura histórica". De fato, se retirarmos todo o rebuscamento das colunas jônicas elas ainda assim manteriam sua função, mas ainda assim seria uma expressão de uma época? Isto é, ainda assim seria possível compreender os valores daquela sociedade?
É importante mencionar a essa altura que o trabalho escrito de Loos considera que o adorno é um erro apenas para o homem contemporâneo e culto, e que o uso de ornamentação é aceitável para os primitivos e até mesmo para o homem atual que não erudito citando o exemplo do sapateiro, pois para ele o ato de ornar é um prazer. Entretanto para aquele indivíduo mais avançado render-se a um prazer tão simplório seria um retrocesso, o que para ele era inaceitável. E que fique claro que a aversão de Loos ao ornamento não é tão intensa quanto aparenta num primeiro contato com seu trabalho. Disse ele: “nunca tenho afirmado, como sustentam até o absurdo alguns puristas, que se deva abolir o ornamento sistematicamente e de forma conseqüente”. Analisando seu trabalho com atenção, notamos que ele propunha um abandono gradual, e não uma ruptura brusca.
Os ornamentos, portanto, seriam elementos que distraem a percepção, impedindo-nos de compreender corretamente aquilo que adornam. O termo decoro se aplica, então, nessa noção de clareza das formas através do despojo de ornamentação excessiva. Privado de seu verdadeiro sentido, o decoro ficou aprisionado pela modernidade e foi gradativamente suplantado pelo termo “decoração”. Originado do latim decorum, é da mesma raiz dos cognatos decor, decoris, decet, tem o sentido de decência, dignidade moral, honradez, pundonor, brio, beleza moral. Na arquitetura, têm o significado de comedimento, moderação.
O decorum, citado por Vitrúvio no seu tratado De Architectura, consistia segundo ele no ajustamento da edificação através das regras da arquitetura às peculiaridades dos ambientes, das culturas e dos usuários. O termo, naquela época, equivalia ao prepon (terminação grega), que significava o ato de fazer as coisas com propriedade, com utilidade. No dicionário de arquitetura teórica “72 voces” encontra-se uma importante observação: “O decoro natural, ou decência, implica numa habitação sólida e temperada, protegida de riscos e imprevistos, livre de umidade, equipada com os serviços primários necessários, munida das comodidades necessárias, porém mínimas. Confortável, em suma”.
Na obra “A Arte Decorativa”, Le corbusier demonstra uma postura bem equilibrada com relação ao uso de ornamentos: “... Um objeto útil deve ser decorado; companheiro de nossas alegrias e de nossos pesares, ele deve ter alma. Reunidas, as almas dos objetos decorados criam um clima radioso no qual nossa triste sina ficará cor-de-rosa. Ao vazio do século máquina, temos de responder com inefável efusão de uma decoração acalentadora e suavemente inebriante.”. Ele não acreditava que o banimento do decoro fosse necessário, pois chegou à conclusão que bastaria um esforço para entender com clareza, separando as sensações desinteressadas (“a arte é uma paixão desinteressada que nos eleva”) e as necessidades utilitárias.
A noção de design vem para apoiar o abandono da ornamentação, pois se revela como um esforço de criação na tentativa de eliminar excessos e salientar a função num contexto em que a beleza da forma em questão se sobressai, sem mais e sem menos do que o necessário.

Fontes:
Arnau, J. 72 Voces para un diccionario de arquitectura teórica
Le Corbusier. A Arte decorativa. Martins Fontes.

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